02 Mai 2017
Para anunciar o Evangelho de Cristo, “basta o batismo”, repete muitas vezes o Papa Francisco. A redescoberta do dom comum do batismo é o ponto de partida objetivo para caminhar rumo à plena unidade visível e sacramental dos cristãos. E, na declaração comum assinada no Cairo, o Papa Francisco e o patriarca copta-ortodoxo Tawadros II afirmaram que “procuraremos sinceramente não repetir o Batismo administrado em uma das nossas Igrejas a alguém que deseje juntar-se à outra”.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítio Vatican Insider, 29-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando os refletores tiverem se apagado sobre a viagem do Papa Francisco ao Egito e tiver caído a cortina das manchetes de efeito pré-prontas, essas poucas palavras permanecerão marcando um passo concreto e de consistência primordial na peregrinação rumo à plena comunhão sacramental entre católicos e coptas ortodoxos. Eles começam a enterrar no esquecimento do passado a prática do “rebatismo”, administrado por algumas comunidades cristãs aos novos fiéis provenientes de outras comunidades eclesiais. Uma prática que representa uma ferida aberta nas relações entre as Igrejas e contradiz a autenticidade dos bons propósitos ecumênicos: como se pode sinceramente desejar a plena unidade dos cristãos, se os irmãos já revestidos do batismo de Cristo são rebatizados como se fossem pagãos?
O “rebatismo” praticado também atualmente por algumas Igrejas do Oriente não têm as suas raízes na práxis litúrgica da época dos grandes Padres da Igreja, geralmente abertos a reconhecer a validade dos sacramentos de cristãos pertencentes a confissões diferentes.
Na era moderna, a partir do século XVII, a ação dos missionários católicos e, depois, também protestantes no Oriente reacendeu a competição confessional. Muitas Igrejas do Oriente, por reação, endureceram também a sua prática em relação ao reconhecimento dos sacramentos das outras confissões cristãs e começaram a praticar o “rebatismo” dos novos fiéis que provinham dessas Igrejas e comunidades eclesiais.
No passado, a mesma prática era aplicada em muitos casos também pelas realidades eclesiais e missionárias que chegavam do Ocidente, quando reuniam prosélitos provenientes das Igrejas autóctones.
Na Igreja Copta Ortodoxa, um papel-chave na intensificação da prática dos “rebatismos”, especialmente a partir dos anos 1990, foi registrado em conexão com o aumento dos chamados “casamentos mistos” entre cristãos de confissões diferentes e foi ligado à marca doutrinal do Patriarca Shenouda III, figura carismática e complexa, que permaneceu à frente do Patriarcado Copta de 1971 a 2012.
“Shenouda – relata o coptólogo Nikos Kouremenos, pesquisador da Hebrew University de Jerusalém – exigia nos seus escritos e nos seus discursos o ‘rebatismo’ para os cristãos que mostravam interesse de entrar em comunhão com a Igreja Copta.”
Uma posição rigorista que nem todos seguiam. “O espírito dos monges como Matta el Meskin, que, desde 1960 viveram o chamado ‘renascimento’ do monaquismo copta”, continua Kouremenos, “teve como consequência a formação de um grupo de prelados coptas que não compartilhavam as rígidas posições de Shenouda e reconheciam também a validade sacramental de outras Igrejas, fundamentada na fé comum e no batismo comum em Cristo. O atual Patriarca Tawadros faz parte dessa tradição teológica. Ele mostrou isso desde o início.”
Entre os chefes das Igrejas cristãs, Tawadros é considerado um pastor clarividente e amado pelo povo. Também por isso, ele prossegue com paciência e sem solavancos, tendo que levar em conta o grupo dos bispos “moldados” pelas posições rigoristas de Shenouda, que se referem a Anba Bishoy, o bispo metropolita de Damietta.
O bispo de Roma e o patriarca copta ortodoxo rezam todas as noites um pelo um outro. Eles se prometeram isso no seu primeiro encontro, quando Tawadros foi encontrar, em maio de 2013, o argentino que se tornou papa há menos de dois meses. Já naquela ocasião, o patriarca copta tinha dado a entender a sua intenção de querer pôr de lado a prática dos “rebatismos”. Mas era preciso proceder com cautela, sem forçar a barra dos bispos mais decididos a defender com fidelidade um pouco dura a memória de Shenouda.
Os acontecimentos dos últimos anos, talvez, acentuaram as afinidades eletivas entre o Papa Francisco e o Papa Tawadros. Os fatos de martírio que atingiram em rajadas a Igreja Copta e o trato cristão com que os coptas os viveram – sem recriminações, certamente chorando os seus mártires, mas celebrando sempre como uma vitória o seu abraço com Cristo no Paraíso – inspiraram também as referências contínuas do Papa Francisco ao “ecumenismo do sangue” e às perseguições.
Depois dos massacres nas duas igrejas coptas, no Domingo de Ramos, o Papa Francisco quis enviar deliberadamente uma delegação vaticana ao Papa Tawadros, para fazer chegar até ele “fisicamente” as condolências e o seu abraço de irmão. Faziam parte dela o cardeal Kurt Koch, o Pe. Gabriel Quicke e o sacerdote copta católico Yoannis Lahzi Gaid, secretário pessoal do papa.
“São dois pastores que vivem uma intensa sintonia espiritual, porque caminham movidos pelo mesmo Espírito e compartilham o mesmo olhar”, observa o Pe. Quicke, o sacerdote belga apaixonado por Santo Agostinho, que cuida, no Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, das relações com a Igreja Copta e as outras Igrejas ortodoxas orientais.
A Declaração Conjunta assinada no Cairo também traz a marca do sensus Ecclesiae compartilhado pelo Papa Francisco e pelo Papa Tawadros. Nela, expressa-se a percepção da vida da Igreja como um caminho, uma peregrinação feita seguindo Cristo juntos na história.
A passagem sobre a prática dos “rebatismos” não é expressada nos termos de uma disposição jurídica que “caiu do céu”, ou como um mudança mecânica de política eclesiástica, mas como um desejo que orienta as escolhas (“procuraremos não repetir”), buscado para “alegrar” acima de tudo o próprio coração de Cristo e confiado ao paciente trabalho da Sua graça. E levando em conta também as resistências que Tawadros poderia encontrar em setores do clero copta.
“Talvez – arrisca o Pe. Quicke – vai levar tempo para que a prática de ‘rebatizar’ cristãos se extinga por toda a parte. Talvez, haverá objeções locais. Mas o Papa Francisco e o Papa Tawadros sempre levaram em conta que é preciso prosseguir com paciência, esperando também por aqueles que vão mais devagar. Essa é a Igreja a caminho, que cresce não por proselitismo, mas por atração da graça, como disse o Papa Ratzinger.”
O caminho é o indicado pelo Evangelho e pelos primeiros concílios, já que qualquer pessoa que repete o Credo Niceno-Constantinopolitano, tanto no Oriente quanto no Ocidente, professa “um só batismo para a remissão dos pecados”. E o reconhecimento de compartilhar o mesmo batismo, expressado como um desejo sincero pela Declaração Comum, a ser realizado com paciência ao longo do caminho, dá ao texto compartilhado um traço “dinâmico” particular.
“No Concílio Vaticano II – observa o Pe. Gabriel Quicke – reafirmamos o batismo comum como ponto de partida para o caminho rumo à retomada da plena unidade dos cristãos. Na Declaração Comum do Papa Tawadros e do Papa Francisco, descreve-se o vínculo que nos reúne no mesmo batismo como a base da peregrinação que estamos fazendo ‘para o dia abençoado em que finalmente nos reuniremos à mesma Mesa Eucarística’. E eu acredito que os novos passos rumo à plena comunhão entre católicos e coptas ortodoxos também são um dom que vem da oração dos novos mártires. Eles hoje repetem para nós a oração que Cristo dirigiu ao Pai, pedindo a unidade de todos os seus: ‘Que eles sejam um, para que o mundo creia que tu me enviaste’.”
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Papa Francisco e Papa Tawadros: basta um só batismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU